terça-feira, 16 de junho de 2009

O poético e o sagrado

É complicado ter uma religiosidade oscilante em uma sociedade que prima em ter certezas únicas. Recentemente quando falei sobre eternidade em uma comunidade do Orkut, sobre a possibilidade de todos nós já estarmos mortos de uma certa forma, uma vez que nossa finitude é única certeza que existe, citei o hinduísmo e na visão que a vida e a morte são ilusões do carma (sinto-me à vontade para citar religiões em pequenos capítulos). Fui questionado quase que imediatamente sobre minhas crenças. “Pensei que os ateus não acreditavam em vida eterna”. (Frase de minha ciber-amiga Zilda.)

É sintomático que uma pessoa possa falar de Deus o quanto quiser, colocar a Sua mão em coisas das mais estapafúrdias, como conseguir destruir alguém, ganhar um concurso de miss, derrotar seu inimigo em uma guerra, justificar seus ganhos de capital, e não sofrer patrulhamento ideológico por isso. Somente em um círculo com pelo menos setenta por cento de não teístas que isto pode acontecer, mas é mais fácil que os que pensam diferente, sejam indiferentes à uma declaração destas. Declaro-me ateu na maioria das vezes, quando se discute religião ou religiosidade, uma vez que é mais fácil explicar-se sem mais delongas, e não tenho que ficar dando explicações sobre o que acredito. Sou agnóstico, se é que isto seja possível, o ateu tem certeza da não existência do sagrado assim como o crente (de qualquer religião) tem esta certeza. Eu não tenho certeza de nada. Acredito na razão e na ética, e para mim é impossível conceber a divindade, principalmente da forma como os monoteístas a colocam.

Minha experimentação com o sagrado, se dá através da poesia. Da possibilidade da criação com a palavra ser a criação do mundo. Em muitas culturas o momento sagrado da criação do universo se deu por um som. Não há nenhuma mistificação de minha parte com isso. A poesia e a música, sua prima, sempre estiveram lado a lado com o sagrado, em todas as nações e em todas as crenças. Quem não se emociona com as canções egípcias ao Deus Sol? O professor Antonio Fernando Stanziani nos colocou em um curso da Escola Livre de Literatura de Santo André, quando falava de mitos, que a experiência com o campo do sagrado na modernidade se dava não pela certeza, mas pelo fato de podermos transitar entre os mitos. Saltamos de um mito ao outro conforme nossa necessidade ou conveniência. Faculta-nos adaptarmos o mito à nossa necessidade e não o contrário, sendo assim não vejo ambigüidade em não acreditar em nada e ao mesmo tempo flertar com o sagrado quando tenho esta necessidade. É-me confortável esta situação.
Sobre a eternidade posso dizer. Vivemos eternamente em nossas obras e na lembrança dos entes queridos. Vivemos eternamente em nossa descendência (tendo em conta que desde a primeira célula viva, somos descendentes diretos e nenhuma geração falhou em ter descendentes). Acredito que vivamos um pouco em nossos filhos, netos e se conseguir viver para tanto, em nossos bisnetos. (Dá gosto de ver o orgulho de meu pai ao brincar com o bisneto.) Minha pouca religiosidade é o xamanismo, acredito no poder da ancestralidade. E na obrigação que carrego para com esta.

Além do que, existem outras vidas eternas além do monoteísmo. Os nórdicos acreditavam no Valhala (mais fácil de aceitar para mim). Os hinduístas e budistas acreditam que dissolvamos no Nirvana. Para as religiões animistas sempre foi e sempre será.

Nossa consciência não perdura. Mas aquilo que fazemos terá conseqüências para sempre.

E toda esta discussão surgiu em torno do verso do poema de Fernando Pessoa,
- "Navegar é preciso, viver não é preciso." – musicado magistralmente por Caetano Veloso. Gosto muito da ambigüidade deste verso, preciso, pode ser na medida exata, como pode ser necessidade. E podemos trocar o sentido quando quisermos. Frases soltas e fora de seu contexto original podem ser mal interpretadas e criarem dubiedade quanto ao seu significado ou sentido. Não no caso de um verso de um poema, muitas vezes ali naquele pequeno trecho está contida uma verdade universal, Bachelard, em sua obra, e não em uma frase, nos coloca que as ciências e principalmente a filosofia tem muito a aprender com a poesia.

E existem frases lapidares que em si trazem grande conhecimento, a sabedoria de Delphos, templo de Apolo da Grécia, se resumia na frase, "conhece a ti mesmo". Há como negar a sabedoria contida neste fragmento? Não nos chegou nenhum poema integro de Safo, mas pelas miríades de pedaços que pudemos alcançar, nos apaixonamos por sua obra.

É fantástico o que algumas pessoas conseguem, ao criar uma frase atemporal, que faz sentido mesmo em face de um possível envelhecimento. Fernando Pessoa para mim em especial, é um ser transcendente ao seu tempo e lugar. Tudo o que falamos e fazemos é intertextual, de alguma forma já foi visto, pensado, escrito, os discursos políticos e filosóficos podem ficar datados, a boa poesia não.

5 comentários:

Jorge de Barros disse...

A palavra fez o mundo e eis a teoria das cordas dizendo que o universo é uma sinfonia cósmica. Talvez poesia cósmica, pois a vibração das cordas vai gerando a realidade dos átomos (significante - significado). Música vira Poesia que vira Matéria.
Ei, vamos fundar uma religião e ficar ricos?

Edson Bueno de Camargo disse...

Do jeito que tenho mão ruim para negócios, penso que sou capaz de falir uma igreja.

Edson Bueno de Camargo disse...

Santa Igreja da Poesia Harmoniosa Universal. SIPHU

Leticia Brito disse...

Por que um poeta não pode ser considerado divino? Para mim todos que flertam com a poesia são divinos e profanos, justamente por serem humanos e livres.

Sarah disse...

quando me merguntam o que vc é, respondo "asatru não praticante"

orgulho de ser filha de trickster... criaturas que precisam trazer o caos para a ordem do mundo. é isso que faz a poesia, não?