quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ouvindo - cello suite no.1, bwv 1007 in g major - i prélude - Johann Sebastian Bach .




Poderia ouvir as suítes para violoncelo de Bach por dias inteiros e não me cansar desta música que enche a casa, mesmo tomado de uma nostalgia estranha, mesmo vertendo lágrimas como uma fonte. Existem sensações que ao serem explicadas perdem sua magia. Há um prazer inexplicável, provavelmente dentro desta zona de irracionalidade que ainda carregamos em nosso âmago. Na intimidade absoluta somos muitos mais animais do que queremos ser ou que podemos. Um lugar onde não cabem freios e travas morais que nos impõem desde que nascemos. Recentemente cheguei a brilhante conclusão que o que chamamos de selvageria, na verdade é nosso comportamento real, se não encararmos a fera de frente, e mostrarmos quem manda, não domá-la com a mansidão de um carrasco, corremos o risco da fera nos tomar o lugar, e ela vai sair por ai fazendo barbaridades, vivendo só pelo valor monetário, e só assistiremos de dentro dela.

Ouvi dizer que a música atinge os recônditos do cérebro, ativa os neurotransmissores ainda na parte animal, antes mesmo de chegar ao córtex e toda sua parafernália racional. Desconfio que a poesia também está para nosso lado animal e réptil, antes da racionalização cerebral. A poesia nunca se divorciou realmente da música, só tomou a palavra por instrumento, ali ainda estão o som e o ritmo. O homem serve de cavalo para seus bichos, a sopa caótica do inconsciente. A poesia não é racional, por isso não aceita cabrestos de qualquer espécie. O poema ao ser levado para o laboratório, provará que só conseguiremos dissecar um cadáver, a poesia já morreu nele. Não resiste ao frio mármore da mesa de necropsia.

A sociedade civilizada só fez aperfeiçoar armas, até atingir seu ápice, a capacidade de não só dizimar seus inimigos, mas também a si mesmo.
A sociedade de consumo, tem replicado modelos de produção baseados em uma fonte inesgotável de recursos naturais que não existem, não só isto, mas no processo de produção vem destruindo recursos que sequer serão utilizados. Insolitamente agimos como o gado que comemos, urinamos na própria água que bebemos. A utopia do capitalismo é a de que só alguns serão eleitos, portanto ficando os mais fracos para trás, é uma corrida suicida, onde a solidariedade desaparece. O nazismo não teria sido tão eficiente.

Neste cenário desolador, ouvir uma composição de um músico barroco, é profundamente anti producente e necessária. Parar para reflexão pode ser algo tão rebelde quanto um ato terrorista. Os poetas são terroristas da alma, quando se ocupam não só de fazer algo inútil para si, fazem algo inútil também para a sociedade. Toda poesia é um ato político, ao se abster de fazer política, ao ser anarquista, ao não se alinhar com os governos, quaisquer que sejam. A poesia é amoral, ao se imiscuir na moralidade tacanha e retrógrada, é sexual ao ser libertária, é apostata ao não se ajoelhar diante de deuses oficiais, ao oficiar para deuses da floresta no asfalto, e deuses da construção em meio aos bosques. É dialética sem discutir filosofia, é duplamente analógica, mesmo correndo por veias digitais.

Os poetas não querem a construção do novo mundo, querem o mundo do sonho agora. E se ele não existir vão construí-lo, mesmo que para isto tenhamos que destruir o velho, para que o novo nasça do esqueleto do velho, como Odim usando o corpo dos gigantes vencidos para fabricar o mundo.

E toda esta conversa é só a casca racional que tenho que arrancar de minha psique, camadas e camadas, como se fosse uma cebola, até atingir o que de fato é importante, o rizoma criativo, que faz brotar poemas que me assaltam quando eu menos espero. Esta serpente emplumada que habita nos vulcões de meus sonhos, e lambe as palavras com todo o cuidado, e coloca seus ovos atrás de meus olhos. O réptil primeiro que está no centro de meu cérebro, a espécie animal que inventou o amor e o cuidado com os filhotes, a criatura que fala com voz de trovão em nosso coração e equivocadamente acreditamos que seja deus. São muitas vozes para quem sabe ouvir, o som primevo do mundo a criar as coisas. Os que não mais as ouvem são mais felizes, mas também são mais pequenos em seus espíritos e nunca serão verdadeiramente livres.

No mundo dos homens racionais sou um total fracassado, é no mundo dos sonhos que realmente sou o que sou. Serpente com palavras e fogo, as letras que montam o verbo que tudo inicia.

Na poesia meus olhos vêem para dentro, e aqui estão todas as coisas. 








Um comentário:

Gerber de Sá disse...

Quando chegamos a conciência de que não somos o que pensamos ser, não o que mostramos aos outros ou como os outros nos veem é porque estamos comesçando a olhar para o lado certo...!
Eu...! Ainda ainda procuro um lado para olhar, e enquuanto eu procurar sei que não vou encontrar.

Edsom, maravilhoso texto.

De um sempre aprendiz Gerber de Sá