quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Conversa sobre o novo livro de Cláudio Willer, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna



Conversa sobre o novo livro de Cláudio Willer, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna, publicado pela editora Civilização Brasileira. O livro tem 462 páginas. Trata-se da versão editada (com alguma redução e também acréscimos) da tese de doutorado em Letras de Willer, apresentada à USP em 2008. Na primeira parte, examina e discute as doutrinas gnósticas; na segunda, trata de suas conexões, heterodoxas e paradoxais, com uma diversidade de autores, do Romantismo até hoje: William Blake, Novalis, Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Pessoa, Breton e surrealistas, Dario Veloso, Hilda Hilst etc.


Edson Bueno de Camargo - Este livro é muito esperado, principalmente por pessoas que como eu, participaram de oficinas literárias que você ministrou. De uma certa forma, recebemos uma parte de sua tese de doutorado, enquanto esta era constituída, em conversas que iam muito além de certas pós-graduações. Vivemos hoje um momento em que a sociedade pode chamar de racional, onde aparecem poetas cerebrais, preocupados mais com a forma do que com a carga de significados. Que tiram da poesia esta aura mística que existe desde o princípio das coisas. Acredita que ainda exista espaço para o misticismo na poesia, ou os poetas xamãs, se extinguiram com a recente morte do poeta Roberto Piva, criando um hiato para a poesia com um cunho místico?


Cláudio Willer - Que meu livro corresponda à sua expectativa. De fato, a cena poética é dominada pelo que chamo, ironicamente, de “poetas inteligentes”; aqueles que enxergam criação poética como algo da competência exclusiva do “cógito” cartesiano, das funções racionais em seu sentido mais estrito. Isso é determinado, em boa parte, por um viés da crítica, reforçado pela contribuição do nosso ensino, especialmente de Letras, à burocratização do saber. Mas é evidente que há espaço para concepções mais visionárias, ou místicas, como você diz, da poesia. E mais: de uns quinze anos para cá, e mais nitidamente nos últimos cinco anos, tem aparecido novos poetas, de qualidade, que se expressam preferencialmente no modo não-discursivo. Não por acaso, leitores de Roberto Piva, dando prosseguimento à sua decisiva contribuição. Serão um capítulo de uma história futura da poesia brasileira.

Edson Bueno de Camargo - Existem poetas como o José Geraldo Neres, aqui de Santo André, com uma poesia complexa, formada por imagens poéticas, com sua estrutura muito próxima ao surrealismo, com muitos atributos da natureza, como a água que perpassa em muitos de seus poemas. Poderíamos dizer que o José Geraldo está próximo à uma poesia com características de um misticismo moderno, em um movimento sincrético?

Cláudio Willer - Neres é exemplar. É paradigmático, pelo modo como representa essa renovação poética. Você observa com precisão algumas características importantes de sua escrita. Correspondem a uma filosofia da natureza que também é uma mística da natureza. De um misticismo leigo, profano, não-teísta, fora do quadro das religiões institucionais. Sincretismo, sim: filosófico e literário. Não é o único – outros representam essa tendência, você inclusive, e mais alguns poetas nossos amigos ou interlocutores.


Edson Bueno de Camargo - Como é a gestação de um livro com 462 páginas? Escrever para uma tese é o mesmo que conceber um livro autoral? O livro já era uma idéia concebida durante as pesquisas e estudos da tese?

Cláudio Willer - Em um comentário publicado outro dia (na Tribuna do Norte, de Natal), o autor observa que Um obscuro encanto é tão bom, tão legível, que nem parece uma tese... Escrevi com muita naturalidade. E intercalando com outras produções – na mesma época, publiquei um livro de poesia, preparei uma série de ensaios sobre surrealismo (que saíram naquele livrão da Perspectiva), e o extenso posfácio para o volume 1 do Piva pela Globo. Pretendia escrever sobre poesia e ocultismo – quando me dei conta de que isso chegaria a mil páginas ou mais, e me tomaria uma década, focalizei gnosticismo, uma espécie de capítulo primeiro das filosofias ocultas na tradição ocidental. Fui recolhendo muito do que já havia lido, refletido e até mesmo escrito. No prefácio para minha edição de Lautréamont, de 1997, há observações sobre sua afinidade com o gnosticismo. Sobre Hilda Hilst e gnosticismo, já havia comentado em 1987, ao resenhar Com os meus olhos de cão – e Hilda, soube recentemente, corroborou esse meu comentário. Em minha narrativa em prosa Volta, lançada em 1996, os dois capítulos finais, onde relato a palestra que dei em um encontro de ocultistas em 1985, já são uma sinopse da minha tese. Inscrever-me em um doutorado direto, como bolsista, foi a oportunidade para avançar em um tema que, como pode ser visto, já me interessava há tempos.

Edson Bueno de Camargo - O que há no livro da pessoa Cláudio Willer? Existem motivos místicos para a escolha do assunto, tanto da tese de doutorado e o posterior livro?

Cláudio Willer - Motivos místicos? Não no sentido de uma adesão a uma doutrina. Sim, se entendidos como equivalentes à valorização da intuição, do conhecimento revelado através da experiência poética. Meus principais motivos foram a curiosidade, querer saber mais, a inquietação. A vontade de cobrir um vazio que percebi em obras como História da filosofia oculta, de Alexandrian, na qual as ligações de poesia com ocultismo e gnosticismo são apenas sugeridas; ou de O oculto de Colin Wilson, que aborda o tema, porém de modo assistemático. Fui provocado, principalmente, por Octavio Paz em Os filhos do barro, com seu destaque para a importância de ocultismo, hermetismo, e por extensão do gnosticismo, na formação de Baudelaire e de poetas românticos, simbolistas e surrealistas, questionando os preconceitos positivistas e cristãos contra o exame desse tema.
A ligação com gnosticismo já havia sido observada, de um modo ou de outro, por estudiosos dos poetas que examino - William Blake, Novalis, Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Pessoa, Breton e surrealistas, Dario Veloso, Hilda Hilst etc. Minha principal contribuição, penso, foi mostrar como esses vínculos com gnosticismo são diferentes em cada poeta; como são pessoais, heterodoxos. Poetas não são ideólogos, não são doutrinadores, insisto. Nesse sentido que meu livro pode contribuir, espero, para a leitura da poesia. 






"Caros oficineiros, 

Com especial satisfação, convido a todos para o lançamento e sessão de autógrafos do meu novo livro, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna, publicado pela editora Civilização Brasileira.

LOCAL: Será na Livraria Cultura (Loja Record) do Conjunto Nacional, à Av. Paulista  2073.

DATA: Dia 11 de agosto, quarta-feira, a partir das 19 h.

O livro tem 462 páginas, e já está à venda por R$ 59,90. Trata-se da versão editada (com alguma redução e também acréscimos) da minha tese de doutorado em Letras, apresentada à USP em 2008. Na primeira parte, examino e discuto as doutrinas gnósticas; na segunda,  trato de suas conexões, heterodoxas e paradoxais, com uma diversidade de autores, do Romantismo até hoje: William Blake, Novalis, Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Pessoa, Breton e surrealistas, Dario Veloso, Hilda Hilst etc.Agradeço retransmissão e outros modos de divulgação, bem como as boas leituras, comentários inteligentes e demais manifestações de interesse e simpatia,

.abraxas, 


Cláudio Willer"

5 comentários:

Assis de Mello disse...

Conheço a tese de doutorado do Willer. Uma belíssima obra; mas mesmo que não a tivesse lido, não seria equívoco nem profecia dizer a respeito do novo livro: se é do Willer é bom.
Como você disse, Edson, é um livro muito esperado.
Chico

http://exerciciodesercrianca.blogspot.com/ disse...

Conheci o Claudio Willer em 2006 ou2007, não me lembro ao certo, em um curso de poesia na Casa das Rosas. Eu, na época era recém ingressante no curso de Psicologia, porém já gostava de poesia e já havia rabiscado alguma coisa.
De imediato o Claudio foi uma bomba em minha vida: seu conhecimento não era de quem tem o nariz empinado e trata as pessoas como ''alunos'' (os que não têm luz), pelo contrário, Willer se mistura com a galera, sai para ler poesia junto e tomar chop, valoriza nossas criações e nosso gesto de transformar a realidade em festa, na esperança de dizer algo novo, algo poético!
Depois desse grupo, não parei mais de freqüentar a Casa das Rosas, em especial os cursos willerianos, Geração Beat, Misticismo, Hermetismo, sem falar naquele curso divisor de águas em minha vida sobre Surrealismo no museu da língua portuguesa - um bando de poetas estranhamente belos (Helder, Hilst, Pessoa, Artaud, Baudelaire, Nerval, Dora, Willer, Piva, tantos) feras mordidas por algo sendo dito por meio de suas palavras e atitudes, fazendo CARNE aquela máxima do Jorge de Lima: Conta tudo que não seja loucura e poesia!
No entanto, e principalmente, conhecer o Claudio me abriu para amizades que até hoje ainda cultivo, abriu também minha visão e prática clínica como Psicólogo, pois a Poesia pode ser uma forma de devolver ROSTO à vida de alguém, um poeta ao dizer os fundamentos do homem oferta a possibilidade de voltar (ou começarmos) a sermos humanos.
Os grupos de poetas que se formaram em torno desses encontros são visíveis, como o grupo POENOCINE que é expressão desse movimento de jovens poetas como eu se reunindo semanalmente para ler poesia e conversar, aprofundando laços de amizade e companheirismo, falando de alguma forma a mesma língua, o que é um gesto transformador e revitalizante em uma sociedade tão individualista como tem sido a nossa.
Estive na defesa da Tese do Willer, e me emocionei. Como ele contribui com tudo o que escreve e na maneira como acolhe as pessoas, valorizando o que elas têm de melhor e que têm a oferecer.
Claudio, parabéns e obrigado! Seu livro e você já brilham, por certo, como uma grande magnólia willeriana!

Daniel Franção Stanchi

ivone fs disse...

o que acontece é que: confio no Willer... não é por acaso que o chamo de mestre...mestres são raros
e um mestre nos ensina. chamá-lo assim é por respeito ao significado exato desta palavra e por um sentimento de privilégio...
(eu tenho um mestre!!! rs)

ótima entrevista!


abraços

Paulo Sposati Ortiz disse...

Um pouquinho mais de Claudio Willer, seu lançamento e algumas curiosidades:

http://poenocine.blogspot.com/2010/08/lancamento-do-livro-um-obscuro-encanto.html

Aquele abraço,
Paulo.

Edson Bueno de Camargo disse...

Mais de Willer, pelo André Masini, no site, Casa de Cultura:
http://www.casadacultura.org/d/boletim/2010/BIS2010_ago07_conveniado.htm