quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória - de Marcelo de Paiva



Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória



Em uma ocasião que fazia uma leitura de poemas na Casa das Rosas, na Avenida Paulista, no coração da capital do estado, soltei uma “frase de efeito” que na verdade é para mim uma certa ferida sem cura: - quão pouco o Brasil conhece o Brasil. Falo das pessoas que não conseguem ir além de uma visão midiática da realidade, de uma visão acrítica, de mero expectador, coisa de anos de treinamento em frente a uma televisão ideologicamente entreguista e venal, a grande janela para o mundo e ao mesmo tempo uma prisão psíquica.

O mesmo pode se aplicar à nossa região do Grande ABC, onde as manifestações culturais locais muitas vezes passam desapercebidas da grande multidão. A cultura existe, acontece, independente de nós a vermos ou de existir qualquer iniciativa pública. Produzir cultura é inerente do ser humano, já dizia o estudioso do aprendizado humano Vigotsky, em suas observações, afirma que o caldo de cultura em que estamos mergulhados, é que determina o que somos, o que aprendemos, o que seremos e o que apreendemos. É necessário que haja um espelho para que possamos ver nosso reflexo. A cultura de um povo é exatamente isto, algo em que possamos nos reconhecer. A medida que se deforma esta imagem refletida, com excertos alienígenas, ausências e omissões, deixamos de nos reconhecer e nesta medida termos vergonha do que e de quem realmente somos, de nosso passado, de nosso presente, e vai se eliminando a possibilidade de termos um futuro, como povo, como nação, como cultura autônoma.

Neste cenário temeroso, acontecem alguns pequenos milagres, além do fato que a cultura ser produzida, queiramos ou não, a vermos ou não; acontece algo como a publicação de um livro patrocinado por uma empresa que dá certo fôlego e visibilidade às manifestações locais, tão obliteradas pelo grande sol que é nossa vizinha capital, da qual somos satélites não só econômicos, mas culturais.

O livro lançado dia 21 de setembro, na livraria Alpharrábio, “ Águas, Trilhos e Manacás – As Cores da Memória” do historiador e pesquisador Marcelo de Paiva com a muito feliz parceria da SOLVAY INDUPA, abre uma pequena clareira na selva de informações, e ajuda a entendermos melhor a riqueza escondida nos cipós de fibra ótica, que compõe o conhecimento humano hoje. O livro muito bem executado, muito bem diagramado, com informações muito precisas, com um trabalho de pesquisa artesanal, sem uma visão sociológica, mas a de um participante ativo, a do pesquisador claramente envolvido com o assunto e principalmente com as pessoas. Pois são as pessoas, ao meu ver, que devem ser o principal alvo de qualquer ação cultural.

Haverá os que dirão que o livro não abarcou todas as manifestações culturais do ABC, e creio que talvez estejam certos. Mas é neste momento que não queria estar na pele dos organizadores da obra e de seu autor, pois em frente a um veio rico em muitos minérios preciosos, como decidir qual devemos minerar, e minerados quais deverão compor a liga que se fundirá na obra final. Tenho certeza que muitos assuntos foram tomados de paixão e abandonados para um projeto posterior por falta de espaço, pois no veículo escolhido o livro, falta lugar para tudo, sabemos muito bem o que colocar, é na hora de saber o que será deixado para trás, que partimos o coração em pedaços. Tenho certeza que muitas vezes o Marcelo de Paiva esteve diante de um grande dilema moral, ético e sentimental. Seja quais os critérios que nortearam sua pesquisa, por certo, houve momentos muito dolorosos.

Por fim devo agradecer muito a presença de um poema meu na página 79 e alertar que este livro é apenas uma janela que se abre neste grande edifício que a memória cultural do Grande ABC, pois existem cidades que ficaram a serem pesquisadas e manifestações que surgem a todo momento, e infelizmente outras que desaparecem sem sequer serem conhecidas. Que sirva de exemplo o bom trabalho do Marcelo com sua amabilidade e cuidado com os entrevistados e colaboradores, sua boa escrita, seu projeto, e principalmente pela parceria da empresa SOLVAY INDUPA, que enxergou no nosso sofrido ABC, não só a possibilidade de exploração e enriquecimento, mas também a sua importância na construção do que podemos chamar da grande cultura brasileira, que vai muito além do carnaval e nádegas lustrosas em suas praias.

Se ainda existe um sonho de futuro neste país, isto não se fará sem a cultura.





Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória de Marcelo de Paiva - SOLVAY INDUPA

2 comentários:

Marcelo de Paiva disse...

"Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia"

Espero que eu tenha mostrado um lado importante da nossa aldeia, que é importante porque é a nossa. Muito obrigado pelo apoio!

Edson Bueno de Camargo disse...

O Tamanduateí é o rio de minha aldeia.