Carta aos Capadócios.
Uma vez ouvi,
já não me recordo de quem, que cada pessoa é uma biblioteca pessoal e
intransferível, que carrega informações sobre o seu tempo e os lugares que
passou, mas também acredito que todos levamos como bagagem um fabulário próprio,
além das experiência vividas, trazemos em nossa alma, as experiências não
vividas, mas sonhadas. Quantos de nós,
não tem sempre uma história na ponta da língua, contada por nossas avós
enquanto teimávamos em não dormir. Lembro as histórias de fantasmas e lobisomem
de minha avó paterna, que esta cria com convicção e que por muitos anos,
fizeram também parte de minha realidade.
Escrever um
livro é uma forma sempre incompleta de tentar trazer esta biblioteca pessoal
para fora, para o mundo exterior além de nossa mente. Mas é uma tarefa
inglória, pois sempre estamos fazendo isto, escrevendo e escrevendo, em uma
roda tão infindável como a roda da vida indiana. O verso sempre será
incompetente, e necessitará de um novo verso, assim vamos compondo um hino
infinito, uma ode a nossas memórias que falseiam, misturando alhos com
bugalhos, mentindo desbragadamente para
preencher as lacunas que aparecem.
Ao ler as páginas de Caio
Evangelista, sinto como se tivesse ouvindo uma bela história, destas fábulas maravilhosas,
que se contam ao redor das fogueiras desde o neolítico. Sinto que de uma certa
forma o mundo imaginário é o lugar de experimentação de nossas angústias
cotidianas, para enfrentar nossas “montanhas que andam”, necessitamos de um
mago guia que nos conduza pelas incertezas da vida, para que não façamos um voo
cego e inexato.
Ao mesmo
tempo encontramos um jovem em plena vitalidade e inocência fazer a jornada do
herói, de experimentar o êxtase e ao
mesmo tempo a dor. De encantar lobos e mulheres. De aprender que a inocência é a moeda que se paga pela
sabedoria. Que nossos aliados, também podem ser nossos inimigos, e que o maior
adversário que podemos ter na vida, pode ser nós mesmos.
Na narrativa
a travessia do deserto está dentro de nossas almas e o elemento água está
presente a todo tempo, as moedas simbólicas de ouro, as faces transcendentes
destas moedas, os traços e linhas simbólicas que permeiam o texto. E ao mesmo
tempo a magia simpática do contato com a natureza e as coisas prazerosas como mangas maduras, banhos de rio (muitos
banhos em um rio de nossas infâncias) e ouvir a natureza em seu íntimo. Ao
mesmo tempo saber dos perigos que rondam o tempo todo o paraíso. Saber que tudo
tem os dias contados, início e fim, e um eterno retorno ao ponto de origem.
O livro
também é uma marcha para dentro de si mesmo, do encontrar suas raízes, suas
origens, sua identidade, pois somos filhos de muitos pais e muitas mães, cada
um que de forma generosa ou mesquinha contribuiu para sermos o que somos. Que
as vezes é preciso buscar no estrangeiro, ou na Capadócia, as repostas que
sempre trazíamos conosco.
Por fim me
lembro do poeta Cláudio Willer falar que uma boa prosa tem de ter elementos de
poesia e de poético, senão ficará seca e árida. Não falta poesia no texto de
Caio, este muitas vezes mergulha direto na poesia, na linguagem cifrada dos
bons poemas, que caminham sobre os signos e símbolos da palavra, trabalhar a
ideia de que a poesia é uma coisa viva e criadora.
Mergulhemo-nos
portanto nas palavras dos poetas cegos ao mundo, porque não podem ver mais que
poesia, em cavalos mágicos e santos guerreiros, São Jorge de manto vermelho e
sua lança fincada na cabeça do dragão e com a ponta no chão, a nos dizer que
somos ligação do elemento céu e terra, que o humano é em seu intimo divino.
Edson
Bueno de Camargo
Poeta,
pedagogo, haikaista bissexto, fotógrafo empírico.
Mauá,
07/03/2012
Carta aos Capadócios - prosa poética (Lua, Céu, Terra e Mar) - Caio Evangelista - RG Editores - São Paulo - SP - 2012
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