quinta-feira, 12 de julho de 2012

Carta aos Capadócios - prosa poética




Carta aos Capadócios.


Uma vez ouvi, já não me recordo de quem, que cada pessoa é uma biblioteca pessoal e intransferível, que carrega informações sobre o seu tempo e os lugares que passou, mas também acredito que todos levamos como bagagem um fabulário próprio, além das experiência vividas, trazemos em nossa alma, as experiências não vividas, mas sonhadas.  Quantos de nós, não tem sempre uma história na ponta da língua, contada por nossas avós enquanto teimávamos em não dormir. Lembro as histórias de fantasmas e lobisomem de minha avó paterna, que esta cria com convicção e que por muitos anos, fizeram também parte de minha realidade.

Escrever um livro é uma forma sempre incompleta de tentar trazer esta biblioteca pessoal para fora, para o mundo exterior além de nossa mente. Mas é uma tarefa inglória, pois sempre estamos fazendo isto, escrevendo e escrevendo, em uma roda tão infindável como a roda da vida indiana. O verso sempre será incompetente, e necessitará de um novo verso, assim vamos compondo um hino infinito, uma ode a nossas memórias que falseiam, misturando alhos com bugalhos, mentindo desbragadamente  para preencher as lacunas que aparecem.

            Ao ler as páginas de Caio Evangelista, sinto como se tivesse ouvindo uma bela história, destas fábulas maravilhosas, que se contam ao redor das fogueiras desde o neolítico. Sinto que de uma certa forma o mundo imaginário é o lugar de experimentação de nossas angústias cotidianas, para enfrentar nossas “montanhas que andam”, necessitamos de um mago guia que nos conduza pelas incertezas da vida, para que não façamos um voo cego e inexato.

Ao mesmo tempo encontramos um jovem em plena vitalidade e inocência fazer a jornada do herói, de experimentar o êxtase e  ao mesmo tempo a dor. De encantar lobos e mulheres. De aprender que  a inocência é a moeda que se paga pela sabedoria. Que nossos aliados, também podem ser nossos inimigos, e que o maior adversário que podemos ter na vida, pode ser  nós mesmos.

Na narrativa a travessia do deserto está dentro de nossas almas e o elemento água está presente a todo tempo, as moedas simbólicas de ouro, as faces transcendentes destas moedas, os traços e linhas simbólicas que permeiam o texto. E ao mesmo tempo a magia simpática do contato com a natureza e as coisas prazerosas  como mangas maduras, banhos de rio (muitos banhos em um rio de nossas infâncias) e ouvir a natureza em seu íntimo. Ao mesmo tempo saber dos perigos que rondam o tempo todo o paraíso. Saber que tudo tem os dias contados, início e fim, e um eterno retorno ao ponto de origem.

O livro também é uma marcha para dentro de si mesmo, do encontrar suas raízes, suas origens, sua identidade, pois somos filhos de muitos pais e muitas mães, cada um que de forma generosa ou mesquinha contribuiu para sermos o que somos. Que as vezes é preciso buscar no estrangeiro, ou na Capadócia, as repostas que sempre trazíamos conosco.
 
Por fim me lembro do poeta Cláudio Willer falar que uma boa prosa tem de ter elementos de poesia e de poético, senão ficará seca e árida. Não falta poesia no texto de Caio, este muitas vezes mergulha direto na poesia, na linguagem cifrada dos bons poemas, que caminham sobre os signos e símbolos da palavra, trabalhar a ideia de que a poesia é uma coisa viva e criadora.

Mergulhemo-nos portanto nas palavras dos poetas cegos ao mundo, porque não podem ver mais que poesia, em cavalos mágicos e santos guerreiros, São Jorge de manto vermelho e sua lança fincada na cabeça do dragão e com a ponta no chão, a nos dizer que somos ligação do elemento céu e terra, que o humano é em seu intimo divino.



Edson Bueno de Camargo
Poeta, pedagogo, haikaista bissexto, fotógrafo empírico.

Mauá, 07/03/2012




Carta aos Capadócios - prosa poética (Lua, Céu, Terra e Mar) -  Caio Evangelista - RG Editores - São Paulo - SP - 2012


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