quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Café Filosófico - Mídias Literárias - Diadema.






Literatura e interfaces.

Em uma pesquisa bem rápida em definições de dicionário para interface, encontrei uma definição que creio, resuma o conceito: “Limite comum a dois sistemas ou duas unidades que permite troca de informações.” a partir do que fiquei tentando imaginar como isto pode se aplicar à literatura, mais que isso, o que podemos imaginar com isto se aplicando às artes?

Em um primeiro momento, dentro da atualidade, quase que imediatamente, remetemos o termo interface às ciências da informática, por que é exatamente isto que um computador  faz, classificar sistemas e agrupá-los. O que não podemos esquecer é que nada se criou a partir dos computadores, pelo menos até agora, o que vemos é a repetição e a otimização de conceitos já inventados. O próprio hiperlink a grande vedete da Internet, já se fazia desde os primórdios da escrita, quando um pesquisador consultava diversas fontes escritas, quer em rolo de pergaminho, quer em livros, quer por um buscador na Internet. Fazendo-se uma ressalva em relação ao livro que surgiu a partir do desenvolvimento da imprensa de tipos móveis, que não inventou o conceito do livro, mas o popularizou para além das expectativas que existiam até então, o livro de um objeto raríssimo e caro, passou a ser mais popular e ao alcance de mais pessoas, desconfio que de uma certa forma foi o grande alicerce da consolidação do pensamento ocidental. 

Outro grande avanço da Internet, o e-mail, nada mais é que a evolução do correio postal, de antiguidade tão grande quanto às bibliotecas, cuja maior evolução que sofreu foi no século XIX, com a invenção do selo postal, provocando uma revolução no processo. Pois bem, o correio postal também permite a comunicação à distancia com seu devido feed back,  o que a mecanização eletrônica trouxe foi a velocidade e uma quase instantaneidade, o que permite a troca de informação em um custo muitíssimo reduzido. Hoje mantemos contato com pessoas em toda a lusofonia, se pensarmos na barreira linguística, a um click. A partir de que podemos resumir o princípio dos chats e serviços de mensagens, com a diferença que com o correio postal o hiato entre as conversas, pode mudar de um segundo,  para um mês.

Talvez a grande revolução neste aspecto sejam as mídias sociais,  que para o bem ou para o mal, permitem às pessoas trocarem ideias e informação sem sair de casa e principalmente, sem precisar entrar em contato físico com as outras pessoas. Se por um lado pode existir a crítica de que isto faz com que o individualismo se exacerbe, permite a escritores e artistas que mantenham contato, mesmo que à distância, que em outras condições não permitiria. Hoje posso ter leitores em qualquer parte do país e do mundo, que podem entrar em contato quando quiserem, que se pese críticas de uma vulgarização de literatura, onde todos podem se arvorar de escritores,  por outro lado não há mais o isolamento geográfico de quem produz conteúdo, o que no passado impunha a quem quisesse ser conhecido o exílio nos grande centros, hoje podemos ser globais sem perder o contado físico com nossa aldeia. Ainda é muito cedo para se analisar o impacto que isto poderá ter sobre a arte e a literatura.

Não é muito difícil imaginar as interfaces  nas diversas artes e mesmo com outras áreas, dado que as artes não são estanques em suas linguagens, não existe uma linha do tempo nas artes em que estas não estão entrelaçadas: a poesia romântica influenciou a música, mais soturna e pesada, que por sua vez teve influência sobre a pintura, que influenciou a poesia e fez surgir o romance, prosas longas e narrativas.

Nos anos 1960’ do século passado houve uma grande aproximação dos poetas com a música popular brasileira, um casamento que existe até hoje. Há todo um aspecto da música popular com letras bastante elaboradas, além do que temos o rap, que tem sua origem nos guetos urbanos das grande cidades e vem conquistando outros campos da mídia. E neste caso especificamente, vemos na verdade um retorno, uma vez que música e poesia no passado estavam juntas, através dos aedos do passado histórico, declamando ao som de uma espécie de lira, que dava o ritmo às suas palavras, mais tarde viriam os rapsodos, os bardos, os trovadores, até chegar na poesia ocidental como conhecemos.

Outro aspecto que podemos abordar é que a natureza do texto literário, de que segundo o poeta Cláudio Willer, toda a escrita é intertextual,   podemos dizer que a escrita, em especial a poesia, faz interfaces entre os autores que nos influenciam no processo de escrever. Os grandes descobridores desta possibilidade foram os surrealistas que primeiro criaram um movimento e depois inventaram suas fundações, apontando nos escritores anteriores suas influências, e mais, abusaram das intervenções da literatura nas artes e vice versa.  Novamente nos anos 1960’ do século passado vamos encontrar vanguardas repedindo a grande revolução nas artes que ocorreram na virada do século XIX para o XX, dadaísmo, futurismo, e muitas outras, vão desembocar na arte efêmera, pop art, graffite, muitas outras possibilidades que vão se desmembrando, e isto tudo antes da Internet. Um grande exemplo desta arte é o surgimento em Nova York do movimento de arte postal, a partir dos experimentos de Ray Johnson, poesia visual, gravura, e todas as técnicas possíveis, se misturam a poesia e a uma poética urbana, e o uso do correio postal para a troca de informações e obras, movimento que persiste até hoje.

Uma questão fundamental, que não podemos deixar escapar, é que uma ferramenta não exclui a outra,  na contemporaneidade, podemos pegar o poeta Márcio-André, carioca radicado na Europa, que faz uma arte performática, utilizando-se de meios eletrônicos, instrumentos musicais, percussão e poesia, ou instalações onde usa da Internet, como ferramenta para fazer performances à distância, ao mesmo tempo que podemos encontrar cantadores matutos  e sua poesia popular, cantada nas praças das grandes cidades e nas feiras populares pelo país afora, onde cumprem seu papel de trovador moderno ou bardo. Desta forma, podemos perceber que é possível diversas formas de arte conviverem em harmonia, que a existência de uma linguagem não exclui a possibilidade de outra existir. A contemporaneidade é o hai-kai, forma poética medieval, ser transformado em vídeo poema, e a poesia moderna  ganhar os muros em forma de graffiti, primeira manifestação artística da humanidade. A arte não se comporta de forma binária e estática, muitas vezes as fronteiras são rompidas, os cânones são frágeis, e enquanto muitos discutem quem é o mais preciso dos especialistas, a arte acontece espontaneamente.

O e-mail não veio substituir a carta postal, veio acrescentar mais uma possibilidade. Os blogs e mídias sociais permitem a interação entre leitores e escritores, mais ainda, entre escritores e escritores. Os meios eletrônicos, encurtaram distancias, mas jamais substituirão a sensibilidade humana, o ímpeto que nos faz fazer arte, a necessidade humana de interagir, o temos feito desde tempos imemoriais, e desconfio que iremos fazê-los até nossa extinção.

Para fechar tudo o que foi colocado até agora, não podemos esquecer a maior de todas as interfaces, que é a leitura. A palavra escrita e sua interpretação  é sem dúvida a maior de todas as invenções humanas, a que permitiu que ideias percorressem continentes, chegando a todos os lugares e permeando civilizações, permitindo trocas tecnológicas,    e ao mesmo tempo, por exemplo,  que pudéssemos ter contato com poetas chineses da dinastia Tang e nos deliciarmos com seus versos e tantas outras possibilidades.   

Ficando como reflexão final, que a principal ferramenta do escritor, que permite o uso de todas as outras,   é a leitura e a perfeita interpretação da língua. 



Edson Bueno de Camargo
Poeta, pedagogo, haikaista bissexto, fotógrafo empírico.





Café Filosófico - Mídias Literárias - Diadema.


Dia 20/11/2012, terça, às 19h30
Local - 
Biblioteca Olíria de Campos Barros
Av. Sete de Setembro, 470, Vila Conceição – Diadema – SP
tel.: 4055-9200
CEP 09912-010

Nenhum comentário: