terça-feira, 28 de maio de 2013

A fome insaciável dos olhos (algumas palavras)




ANDAR PELOS OLHOS DA FOME

para Edson Bueno de Camargo.

A fome insaciável dos olhos não se sacia com moedas antigas. O tempo procura um espelho, sombras e fantasmas. Carrega uma língua inchada e semeia noites mal dormidas. Sempre penso no cordão de almas que um verso pode manter se equilibrar nos pés e olhos de Edson Bueno de Camargo, sei que ele o alimenta em passeios diários. A olhar seu rastro de papéis soltos vejo os nomes de deus. – Ele mora numa casa antiga, dentro de um livro de poemas. Útero à vista de todos, grande árvore de filhos com penas de chumbo a alçar voo. A palavra, Edson, nos olhos o pão / não alimenta / a mão / que morde / os dentes da fome. Ele retorna e encontra a água ancestral das mulheres de ventre de barro e lava ardente. Potes de palavras úmidas que tudo devora e ama. A teimosia po-ética carrega paradigmas: No poema a vida tomará o lugar da vida. Edson continua seu passeio diário onde o tempo / monstro de múltiplas bocas / a tudo e todos devora. O alimento não alcança as mãos, mas os olhos. Sacrifício sobre o barro cozido, – estranho salmo sem deus – a caminhar sonâmbulo por entre a carne, o sal, o sangue da contabilidade do poeta: espelho da fome insaciável dos olhos. A infância corre nos olhos do neto – hábito estranho esse de leva-lo ainda em gestação para as oficinas de criação literária: espelho do espelho a devorar palavras – nada é por acaso, no entanto, escuto a fome. Forro meus olhos, eu a atravessar a rua e fazer companhia aos olhos de Edson Bueno de Camargo, minhas mãos equilibram uma xícara de porcelana, as sete vidas de um gato líquido.

O poeta: navalha manchada de sangue, a cachaça a procurar uma moeda, o lagarto a olhar discos voadores. Ossos de muitas línguas a me devorar os olhos, no gesto fraterno de me presentear com uma bússola. Um exercício de desapego poeta, à tarde só fala o que está dentro de mim. O tempo é um peixe em ombro do poeta, eu tenho uma dívida com o mar.

Saravá!

Por José Geraldo Neres
Poeta, ficcionista e produtor cultural.

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